Ele era um índio de um lugar remoto e escondido.
Introspectivo, falava pouco, gostava de silêncio e solidão, por isso, se mantinha isolado e distante até mesmo das pessoas de sua tribo, neste lugar longínquo.
Vivia do que caçava e pescava, dentro de uma floresta imensa e, cercado da natureza, nunca havia visto absolutamente nada das coisas do mundo “civilizado”.
Em um belo final de tarde, em uma dessas caçadas ainda mais isoladas, onde ele estava completamente afastado até mesmo dos outros poucos índios que conhecia, resolveu se deitar próximo a uma cachoeira e, ao som da natureza, dormiu!
Aí é que tudo aconteceu, surgiu o pior pesadelo de um cara pacífico, sozinho, inocente das maldades do povo da cidade e amante da natureza!
Ele acordou dentro deste sonho ruim e já não estava onde deveria estar, mas se viu dentro de uma cidade populosa, agitada e perturbada. São Paulo!?
Carros de escapamentos abertos, cores de peles variadas, cabelos diversos e coloridos, tatuagens, correntes, roupas rasgadas, óculos escuros, bonés, gravatas, sapatos e outras muitas estranhezas.
Eram mendigos, trombadinhas, malucos drogados, mulheres vulgares de caras fechadas e sorrisos maldosos.
Ao som de música eletrônica, rock, funk, sertanejo, samba e muito mais.
Frios, intolerantes, briguentos, fedidos pra caramba, cheirosos demais, fumaça de cigarro, maconha, bebidas e suor!
Irritação, trânsito, skate, bicicleta, carroça, sirene, pessoas falando, gritando, rindo, xingando e correndo!!!
Medo, confusão, desespero, necessidade de se esconder dos olhos curiosos, odiosos, maldosos, sarcásticos, piedosos, indiferentes e debochados!
Choro, pressão, coração acelerado e dor! Dor de medo, de maluquice, cobrança e julgamentos impiedosos.
Corre e não chega, corre e piora, fugir é preciso, mas para onde?
Loucura, fedor de mijo, de cachaça, de sujeira, de perfume natural e sintético, comidas estranhas e conhecidas!
Descalço no chão sem terra, sem afinidade, sem carinho, “sem chance véio”! – Perdeu!
Mão na cabeça, mão na cara e mão presa!
Empurra, grita, esperneia, apanha, se borra de medo – Seu merda!!! …
De repente, num susto, num choque, num tranco e volta a si!
Em um salto se ergue! Lá no silêncio da selva, da mata fechada, beeem lá longe.
Isolado, sozinho e escuro!
Respira fundo o ar puro.
O ar livre!
Salvo, na selva!